Mutação de uvas tintas para brancas: mudanças que vão além da cor das cascas

A diferença mais evidente entre uvas tintas e brancas é a presença ou não de antocianinas, um grupo de compostos fenólicos que traz coloração às cascas.  Por exemplo, as cascas da Pinot Noir contêm uma determinada quantidade de antocianinas, inferior a diversas outras variedades tintas, como a Malbec, por exemplo. Já as mutações genéticas desta uva ancestral originária da Borgonha, como a Pinot Gris ou Pinot Blanc, possuem menor quantidade ou mesmo ausência de antocianinas.

Mas será que a diferença entre elas fica somente na coloração? Quem já provou vinhos elaborados a partir de cada uma das três versões da Pinot lado a lado deve ter notado que eles são muito distintos em diversos aspectos. Será que a diferença nos níveis de antocianinas acaba afetando outras características das uvas? Uma pesquisa realizada por pesquisadores espanhóis traz respostas interessantes para estas perguntas.

Mutação em uvas espanholas

A Pinot não foi a única uva a sofrer mutações espontâneas. Duas das variedades tintas mais plantadas na Espanha passaram por processos similares. Algumas plantas de Garnacha mutaram, dando origem à Garnacha Blanca, enquanto a Tempranillo sofreu mutações que originaram a Tempranillo Blanca. Esta última foi uma mutação recente, um curioso caso no qual apenas um ramo de uma videira da Rioja mutou em 1988, dando origem à Tempranillo Blanca.

Usando estas duas variedades, Maite Rodríguez-Lorenzo, pesquisadora da Universidad de La Rioja, liderou um grupo que elaborou um minucioso estudo para entender melhor o que muda com as uvas após a mutação de cor. As conclusões mostram que a alteração de um pequeno parâmetro acaba resultando em mudanças significativas no microclima interno das uvas, com consequências na composição das uvas e na sua capacidade de defesa contra doenças.

Novo perfil aromático

Mas como o funciona o processo pelo qual uma pequena mutação acaba resultando em uma uva com características e vinhos tão diferentes? No caso destas duas variedades tintas, a mutação implicou na perda de dois elementos essenciais para a síntese de antocianinas, os fatores regulatórios transcricionais chamados de MYBA1 e MYBA2.

Rodríguez-Lorenzo e colegas mostraram que a presença de antocianinas em uvas tintas condiciona o microclima interno da fruta durante o amadurecimento, aumentando sua temperatura em mais de três graus acima das uvas brancas. Por outro lado, detectaram que o metabolismo da uva é modificado em diversos aspectos, como consequência da exposição à luz sofrida pelas uvas brancas e da falta de consumo de moléculas precursoras de antocianinas.

Pode parecer redundante, mas a perda das antocianinas acaba mudando o perfil da uva, que passa a mostrar características de uvas brancas. Durante o amadurecimento, o aumento da exposição à luz faz com que as uvas brancas apresentem maior expressão de genes sensíveis à luz. Com isso, acumulam mais precursores de compostos que determinam perfis aromáticos que podem ser característicos de uvas brancas.

Efeito em cascata

A ausência de elementos regulatórios MYBA1 e MYBA2 em variedades brancas traz também outras consequências, desta vez ligadas à capacidade da uva reagir à ação de elementos externos. A ausência de antocianinas leva a redução da ação de genes de defesa contra doenças, presentes nas cascas das uvas. Isso tem consequências também sobre os níveis de estresse das videiras.  

Em conjunto, os resultados indicam que a redução no teor de antocianinas tem efeitos secundários importantes sobre a composição da uva. Ela altera seu microambiente, o que condiciona o potencial de aromas e sabores da uva e do vinho. Assim, este estudo confirma o que quem já teve oportunidade de provar as “versões” tinta e branca da mesma variedade sentiu. As diferenças estão longe de ser apenas na coloração, são vinhos com aromas, sabores e texturas distintos.

Fontes: The color of grapes and its effect on aromatic characteristics, Maite Rodríguez-Lorenzo et al

Imagem: Enrique Garcia-Escudero (CIDA)

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