Os vinhos de Oltrepò Pavese

Não faltam opções de regiões produtoras de vinho a disposição do enófilo. São mais de 2 mil variedades de uvas utilizadas na produção comercial da bebida. Apenas a Itália, que alterna com a França o posto de maior produtor do mundo, conta com mais de 400 denominações de origem controladas, que são áreas geográficas delimitadas e que produzem seguindo regras específicas.

Na coluna desse mês vamos falar de uma região italiana ainda pouco conhecida fora do seu país de origem: o Oltrepò Pavese. Está localizada na Lombardia e produz uma grande quantidade de vinhos, desde os mais simples até alguns rótulos mais elaborados e de alta gama. Com 13.500 hectares de área cultivada, concentra uma DOCG, classificação “teoricamente” reconhecida como o topo de qualidade dos vinhos italianos e oito DOCs.

Oltrepò Pavese no cenário do vinho italiano

Localizada a cerca de 40km de Milão, estrategicamente posicionada entre o Piemonte, Ligúria e Emília Romagna, Olteprò Pavese é responsável pela maior área cultivada de uvas viníferas na Lombardia e produz a maior quantidade de vinhos da província. Os vinhedos são cultivados principalmente entre áreas planas ao redor do vale do Pó e as encostas do Apeninos, cadeia montanhosa que corta a região. E é exatamente nessa última área que se encontra a produção de maior qualidade.

Mapa da região, extraído da página Oltrepò Pavese

Apesar da reputação de produzir vinhos de qualidade mediana, a maioria engarrafados sem identificação de origem, herança de um passado ainda recente, mudanças importantes aconteceram na região a partir do início desse século. Hoje há bons exemplos de produtores e rótulos renomados, poucos deles com presença no mercado brasileiro, uma pena, pois há muita coisa interessante e indisponível para o consumidor brasileiro.

Barbacarlo 2018 produzido por Lino Maga, um dos ícones da regiào

As uvas: Pinot Nero, a grande estrela

As áreas mais nobres para produção de uvas estão localizadas a 300 metros de altitude. E contam com um clima relativamente temperado e seco no verão. E os solos contam, majoritariamente, com componentes calcários e graníticos.

A região cultiva uma grande variedade de uvas. Pinot Nero, sinônimo de Pinot Noir, é o grande destaque em termos de qualidade, especialmente as uvas oriundas de vinhedos cultivados na região central do Valle de Scuropasso. Croatina, autóctone do Oltrepò Pavese, é a uva mais plantada e disseminada em toda a região, mas nas áreas central e sudeste produz os melhores exemplares. Ainda no segmento de uvas tintas, a Barbera também é bastante relevante. E aquelas provenientes dos vales localizados na parte oeste podem ser comparadas aos Barberas de Asti, no Piemonte, o que não é de se estranhar dada a proximidade geográfica. Uva Rara e Ventolina são outras tintas bastante presentes na região.

Do lado dos brancos, a grande estrela é a Riesling oriunda do Valle Coppa, apesar da pequena quantidade. Mas é importante não confundir com a Riesling Itálica (Welschriesling), a mesma presente na Serra Gaúcha e uma das protagonistas dos espumantes brasileiros. Enquanto a Riesling produz os melhores vinhos da região, a Riesling Itálica responde pelo maior volume. Além dela as outras uvas brancas encontradas na região são: Pinot Bianco, Malvasia di Candia Aromatica, Cortese, Moscato e Chardonnay.

As principais denominações de Origem de Oltrepò Pavese

Diversidade é o nome do jogo, quando se trata dos vinhos de Oltrepò Pavese e isso se expressa na grande quantidade de DOCG/DOC existentes, além dos vinhos IGP e genéricos. Dentre as oito apelações, selecionamos cinco para destacar.

Otrepò Pavese Metodo Classico DOCG

Foi a segunda área delimitada para produção de espumantes italianos utilizando o método clássico, que implica na segunda fermentação na garrafa. Franciacorta foi a primeira. Mas apelação se caracteriza por utilizar majoritariamente a Pinot Nero na elaboração de seus vinhos. A área da DOCG conta com vinhedos localizados em encostas frias e seus solos são ricos em calcário. O blend deve conter, no mínimo, 70% de Pinot Nero, podendo ser combinados com até 30% Chardonnay.

Quando a participação de Pinot Nero supera 85%, o que é relativamente comum, o nome da uva pode ser impresso no rótulo. Os Non Vintage devem envelhecer pelo menos 24 meses em contato com as leveduras. Os melhores rótulos competem em pé de igualdade com os bons Franciacortas. Cruasé é o nome comercial criado para os espumantes rosados dessa apelação e constitui a grande aposta recente do consórcio de produtores para criar uma diferenciação de seus vinhos no mercado externo.

Cruasé, espumante rosé, aposta recente para posicionar a região no mapa do vinho global

Oltrepò Pavese DOC

Criada em 1970, foi a primeira apelação da área. Uvas oriundas em qualquer área da região podem ser engarrafadas nessa DOC. Com isso é difícil definir um único estilo. Os vinhos mais distintos são varietais da Barbera, Malvasia e Moscato.

Bonarda dell’Oltrepò Pavese DOC

Também cobre toda a área geográfica da região. Porém seus vinhos devem levar, no mínimo, 85% de Croatina e até 15% de Barbera, Uva Rara e Ughetta. Dada a preponderância da Croatina, os vinhos podem ser consideravelmente tânicos, mas balanceados com o tradicional discreto açúcar residual da uva. Com a doçura balanceando os taninos rugosos, os vinhos se caracterizam por um discreto amargor que, diga-se de passagem, não chega a representar um problema, pois tendem a agradar o paladar dos consumidores locais. Além dos vinhos tranquilos (sem efervecência) produz também frizzantes bastante populares. Interessante observar que Bonarda aqui não é uma uva, mas sim um vinho.

Pinot Nero dell’Oltrepò Pavese DOC

Originalmente nessa área eram produzidos vinhos-base dessa uva para elaboração dos espumantes da DOCG. Alguns produtores perceberam que os vinhos tranquilos produzidos nos solos calcários e frios tinham grande potencial. Os primeiros lotes produzidos, porém, não entregaram o resultado esperado, pois foram produzidos com clones da Pinot Nero focados em vinhos espumantes. Ajustes foram feitos, com a utilização de clones trazidos da Borgonha, e o quadro mudou. Os vinhos tendem a apresentar boa complexidade, com notas de fruta vermelha fresca, fundo de bosque, licor de cereja e especiarias. Costumam apresentar bom potencial de guarda.

Buttafuoco (ou Buttafuoco dell’Oltrepò Pavese) DOC

Até 2010 era uma subzona. Localizada numa área geográfica específica, e especial, com vinhedos voltados para o sul em encostas compostas de solos argilo-calcário entre as cidades de Stradella, Broni e Canneto Pavese. Croatina e Barbera (25-65%) são protagonistas, com um máximo de adição de 45% de Uva Rara e Ughetta. O vinho típico dessa apelação estagia em madeira. Encorpado, complexo estruturado e tânicos. Também há uma versão frizzante.

A título de registro, as outras apelações de Oltrepò são: Sangue di Giuda dell’Oltrepò Pavese DOC (vinho doce produzido com o mesmo blend de Buttafuoco), Oltrepò Pavese Pinot Grigio DOC, Casttergio DOC (tinto estruturado e elaborado com Barbera, Croatina, Uva Rara, Ughetta e, pasmem…, Pinot Nero) e San Colombano DOC (tintos e brancos secos com as principais uvas da área)

Produtores de destaque

Sem a pretensão de classificar os produtores, listamos aqui uma relação daqueles com maior destaque na crítica especializada. Outra referência utilizada foi o site WineSearch.

Frecciarrosa – fundada em 1919, é uma das vinícolas mais tradicionais de Oltrepò. Como curiosidade, foi a primeira vinícola italiana a exportar para os Estados Unidos após a liberação da venda de bebidas alcoólicas na segunda metade do século XX. Possui a licença de número 19!

Losito e Guarini – outra tradicional vinícola fundada no início do século passado, é o maior produtor de Bonarda (não confundir com a uva Bonarda). Em Oltrepò, Bonarda é um vinho elaborado majoritariamente com Croatina.

Vanzini – fundada em 1890, com vinhedos localizados a 400 metros de altitude, produz renomados espumantes e tintos de Pinot Nero, além de brancos com a Rieling.

Castello di Luzzano – grande produtor, com mais de 110 hectares entre Oltrepò e Colli Piacentini, está localizada numa região belíssima e conta com um ótimo restaurante. Ingredientes perfeitos para o enoturismo.

Conte Vistarino – no site, o produtor se apresenta como “A casa do Pinot Nero”. Com 200 hectares de vinhedos geridos pela mesma família desde o século XV, é considerado o showcase do espumante de Oltrepò Pavese, tendo o primeiro a produzir usando o método clássico, que virou regra na DOCG.

Tenuta Mazzonlina – Francesca Seralvo, neta do fundador, adotou práticas de mínima intervenção e a partir de 2015 replantou o vinhedo com clones de Pinot Nero oriundos da Borgonha. Há vários registros positivos e recentes acerca de seus vinhos.

A beleza de ser surpreendido

Apesar da região não ser muito badalada, o que pode não atrair publicações de candidatos a influenciadores no Instagram, Olteprò Pavese oferece alguns bons achados. No Brasil, infelizmente, a maioria dos vinhos importados da região, estão em categorias que não merecem grande destaque. Mas há exceções e é muito legal ser surpreendido.

Dessa forma, quem procura vinhos de regiões pouco conhecidas e deseja ampliar seus horizontes deveria considerar conhecer os vinhos do Oltrepò Pavese.

Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML.  É Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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