Porque beber vinho brasileiro pode sair mais caro que rótulos importados

A pandemia foi um divisor de águas para o mercado de vinhos no Brasil. Em 2020, o consumo da bebida no país tocou o maior nível em vinte anos – um aumento de 21,9%, de acordo com dados do relatório anual da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), publicado no último dia 15 de abril. O relatório mostra também que a produção nacional de vinhos aumentou no mesmo ano, sendo 4% maior do que em relação ao ano imediatamente anterior.

Já para 2021, os números divulgados impressionam ainda mais. Segundo a organização, o Brasil viu um boom da produção interna de vinhos, com um volume 60% maior do que em relação ao ano de 2020 – maior volume registrado desde 2008. O consumo interno da bebida também aumentou no ano passado, subindo 1,2% em relação ao ano de 2020.

A OIV aponta, em relatório, que o aumento substancial no consumo de vinho no Brasil nos últimos dois anos “se deve a uma mudança nos padrões de consumo de vinho durante a pandemia”.

Mas nem tudo são flores. Em entrevista à Bloomberg Línea, Hermínio Ficagna, Diretor superintendente da Vinícola Aurora, no Rio Grande do Sul, comemora os números e a mudança de comportamento do consumidor, sem esquecer os entraves que o setor atravessa no Brasil.

Desafios para a produção nacional

“O setor vinícola brasileiro se mantém em uma ascensão importante, mas é um grande desafio continuar a manter este nível diante ou aumentar o consumo de vinhos diante da situação extremamente complexa de preços”, diz Ficagna. Segundo o executivo, entre os maiores gargalos para o setor estão o alto custo logístico e tributário.

“O aumento do frete e do combustível foi um dos fatores que encareceu os custos fora da normalidade. Não só o frete, mas temos uma tributação histórica. O setor é um dos mais castigados pelo nível de tributação que temos no Brasil”, conclui.

Via de mão dupla

Ficagna confirma que o aumento do consumo interno de vinhos repercutiu nos balanços da empresa.

Prova disso é que, segundo ele, a Aurora saiu de um faturamento em 2019 de R$ 530 milhões para R$ 746 milhões em 2020. “Só não vendemos mais por uma questão pontual: a falta de garrafas”, diz.

A Aurora vê este cenário de desabastecimento de garrafas persistindo ao longo de 2022, e o mesmo deve acontecer em 2023. “Isto é uma preocupação para nós, mas também um sinal claro de que há um aumento de consumo em todos os segmentos, seja de vinhos, espumantes ou suco. Driblar isso requer uma ginástica e tanto para nós”, explica Ficagna.

Apesar de um cenário notoriamente positivo no que diz respeito ao aumento do consumo de vinhos no Brasil, a indústria nacional precisa fazer adaptações para se manter competitiva. É o que também afirma Helio Machioro, Diretor Executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho).

“Se formos comparar a sobrecarga que o vinho nacional carrega desde a produção da uva até a entrega ao consumidor, nosso custo é bem mais elevado do que os custos de um vinho na Argentina e no Chile, para considerar os dois maiores exportadores da região”, explica Machioro.

Ele cita também que, atualmente, a tributação é o segundo maior custo incidente sobre um rótulo de um vinho produzido no Brasil. O primeiro, são os custos de logística e distribuição. Além disso, há uma nítida diferença cultural, se compararmos o mercado nacional ao mercado internacional de vinhos.

“É preciso considerar os polpudos recursos que são colocados na produção vitivinícola em outros países. Os europeus não abrem mão dos investimentos pela importância que dão à cultura vitivinícola. Além dos altos custos, o vinho, na economia brasileira, é tido como um produto subalterno se comparado com outras indústrias”, explica.

Para Luis Wulff, advogado especialista em Direito Tributário e sócio-fundador da Guahyba Estate Wines, terroir na região de Porto Alegre, a grande diferença que existe entre o vinho nacional e importado é que, dentro do processo de exportação, ele chega no Brasil com uma desoneração que ele chama de “desoneração da cadeia”.

“De forma genérica, lá fora o produto é tratado como alimento. Há desoneração na compra da garrafa e na compra da uva. No Brasil, o produto é tratado como bebida alcóolica. Há uma carga de ICMS relevante sobre a transação comercial do produto, carga de IPI, importação de insumos e custos logísticos, além do custo de revenda no mercado interno”, diz.

“No caso do produto importado, ele já sai de seu país de origem sendo mais barato”, diz. “Apesar do imposto de importação buscar equilibrar a concorrência no mercado interno com o mercado externo, esses impostos não são tão relevantes porque ele já chega ao Brasil desonerado em seu processo produtivo, enquanto nosso produto nacional é 100% onerado por conta do processo produtivo e de distribuição”, explica.

Para o advogado, para tornar a indústria nacional de vinhos mais competitiva, seria necessário tratar o produto como alimento, como é feito na Europa. Assim, seria possível ter uma cadeia de produção direcionada e com menos impostos.

Ficagna, da Aurora, também vê a onerosidade excessiva comprometendo a competitividade do setor de vinhos nacional, e menciona a importância de uma reforma tributária, de modo que a tributação que incide sobre os produtos, que atualmente varia de estado para estado, seja padronizada, desonerando principalmente o consumidor.

 

Matéria produzida para Bloomberg Línea e gentilmente cedida pela repórter Melina Flynn. Confira a publicação original clicando aqui.

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