Pouilly-Fumé: a Sauvignon Blanc em sua excelência

Quem aprecia Sauvignon Blanc tem os vinhedos do Loire Central entre suas referências máximas. Diversos vinhos elaborados com esta variedade na região, sobretudo em Sancerre e Pouilly-Fumé, ficam entre os melhores do mundo. Entre estas duas denominações de origem, porém, somente uma delas tem foco integral nesta variedade, já que, em Sancerre, a Pinot Noir tem um papel também importante.

Pouilly-Fumé é uma denominação de origem integralmente dedicada à Sauvignon Blanc. Tanto que existe uma outra AOC para os vinhedos nos sete vilarejos que compõem a área desta denominação plantados com a Chasselas. Neste caso, porém, são engarrafados como Pouilly-sur-Loire, nome também da principal cidade da região. O domínio da Sauvignon Blanc na região, porém, é relativamente recente, considerando a rica e longa história local.

A localização de Pouilly-Fumé, em verde intermediário na extrema direita do mapa

Longa tradição

Da mesma forma que em Sancerre, a tradição da vinicultura teria começado já na época galo-romana. A região na época era cortada por uma estrada que costeava o Loire, ligando Genabum (atual Orléans), no norte, a Noviodunum (hoje Nevers), ao sul. Há evidências que existia uma propriedade chamada Pauliacum, no século V, em uma área até hoje usada para a vinicultura pela Domaine Masson-Blondelet, que de lá colhe as uvas para sua cuvée Villa Paulus.

A primeira referência explícita a vinhedos data do ano 680, apenas dois séculos depois. Registros indicam que o bispo Vigile d’Auxerre (falecido em 689) apresentou sua propriedade em Pouilly, completa com videiras, à Abadia Notre-Dame-d’Auxerre. Seria ela a Pauliacum, ou hoje conhecida como Villa Paulus?

Assim como em diversas regiões francesas, várias ordens monásticas desempenharam um papel central no desenvolvimento dos vinhedos em Pouilly. Os mais importantes seriam os monges beneditinos de Charité-sur-Loire, que fica a apenas 13 quilômetros do vilarejo. Em Pouilly-sur-Loire ainda hoje existe o Loge aux Moines (o alojamento dos monges), uma parcela de quatro hectares localizada no planalto a noroeste do vilarejo, cujo nome remonta a estes tempos.

Idade Média e apogeu

Ao menos uma vinícola atual pode traçar suas origens desde a época medieval, com evidências documentadas de viticultura no Château de Tracy já no século XIV. Mas não eram somente os monges que davam brilho aos vinhedos da região, já que os vinhos locais tinham também presença nas mesas da nobreza e da realeza. O rei francês Luís XI (1423 – 1483) era um fã particular, com relatos indicando que ele mandava barris de vinho de Pouilly para sua residência em Plessis-les-Tours. Presumivelmente, isso não agradava seus vizinhos vinicultores de Vouvray e Montlouis.

O acesso dos vinhos locais ao norte da França, particularmente Paris, cresceu de forma significativa a partir da construção do canal de Briare em 1642, que ligou o Loire a rio Sena. Os séculos seguintes trouxeram a expansão da área de vinhedos, plantados, sobretudo, com variedades brancas. O destaque ficava com a Chasselas (consumida tanto em natura como em vinhos de sobremesa), como, em menor escala, Sauvignon Blanc, Melon de Bourgogne e Meslier-Saint-François. Estimativas colocam a área de vinhedos na região de Pouilly na faixa de 2.000 hectares em meados do século XIX.

Queda e renascimento

Antes do final do século, porém, a vinicultura da região sofreu dois duros golpes. O míldio chegou em 1888, e a filoxera em 1890, com enorme contração da área de vinhedos. A solução dos produtores foi mudar o foco para qualidade, alterando a composição de uvas dos vinhedos. Foi partir daí que a Sauvignon Blanc ganhou primazia. Também buscaram maior reconhecimento de seus vinhos, com 1923 representando um marco importante.

Neste ano, ocorreu a aprovação de um decreto restringindo o uso do nome Pouilly-Fumé. A partir de então, este termo seria restrito aos vinhos locais elaborados a partir da Sauvignon Blanc. Os vinhos de Chasselas, por outra vez, receberam a denominação Pouilly-sur-Loire. Os limites da área de produção foram definidos em 1929, confirmados pela criação das duas denominações de origem em 1936.

A denominação de origem

Respeitando uma tradição local, os vinhos da denominação de origem Pouilly-Fumé podem usar um nome alternativo em seus rótulos: Blanc Fumé de Pouilly. O uso da palavra Fumé, que significa “esfumaçado” em francês, é fonte de controvérsia. Para alguns, seria uma referência aos aromas característicos de alguns vinhos locais, sobretudo aqueles de vinhedos com alta concentração de Silex.  Porém, é mais provável que se refira às características da Sauvignon Blanc, que mostra uma coloração mais acinzentada quando madura do que a Chasselas, ajudando a diferenciar as duas uvas no passado.

Criada em 11 de setembro de 1936, a denominação de origem Pouilly-Fumé contava em 2019 com uma área plantada de cerca de 3 mil hectares. Estes vinhedos estavam espalhados por sete vilarejos: Garchy, Mesves-sur-Loire, Pouilly-sur-Loire, St-Andelain, St Laurent l’Abbaye, St-Martin-sur-Nohain e Tracy/Loire. Em termos políticos, por estar situada na margem direita do Loire, faz parte de Niévre, um dos departamentos da Bourgogne-Franche Comté, a mesma região política onde se situam os vinhedos da Borgonha.

Com cerca de 135 vinicultores atuantes, a produção total atingiu 83 mil hectolitros em 2019, o que equivale a cerca de 11 milhões de garrafas. Em termos relativos no Vale do Loire, este volume é menos de metade da produção de Sancerre e pouco maior daquela de Chinon. Vale lembrar que a denominação Pouilly-sur-Loire produz menos que 1.500 hectolitros ao ano.

Terroir

Localizada não muito longe do centro geográfico da França, a região de Pouilly-Fumé conta com clima semi-continental, com grande amplitude térmica. A precipitação média anual é de 600 milímetros e o rio Loire desempenha um papel importante como regulador térmico. Ao contrário de Sancerre, porém, é uma área que tem sofrido menos com o aquecimento global, por conta de sua geografia menos acidentada

Os solos de Pouilly-Fumé

Localizada no sul da área geológica da Bacia de Paris, Pouilly-Fumé conta com solos com alta proporção de calcário, mas com quatro perfis distintos. Aproximadamente 40% dos vinhedos, sobretudo aqueles no centro da AOC (Pouilly-sur-Loire e St, Andelain), estão situados em solos chamados localmente de Terres Blanches. Assim como aqueles de Chablis, têm origem no período Kimmerigiano e trazem grande quantidade de fósseis de conchas marinhas.

Os solos chamados de Caillotes, sobretudo do período Oxfordiano, correspondem a outros 40% dos vinhedos, concentrados mais o oeste. Outros 15% são de solos de Silex, presentes sobretudo ao longo das margens do Loire em Tracy-sur-Loire e em St. Andelain. O restante é composto por solos mais arenosos, mais concentrados ao sul da área da denominação de origem.

Vinhos

Assim, como em Sancerre, que também mostra uma grande diversidade de solos, não há um estilo único de vinhos em Pouilly-Fumé. Os vinhos com maior estrutura e capacidade de guarda tendem a ser aqueles provenientes de vinhedos de Terres Blanches. Alguns exemplos são as cuvées Prédilection, de Jonathan Pabiot, ou Les Cornets de Alain Cailbourdin e de Michel Redde.

Já aqueles com origem em solos de Silex apresentam notas de pólvora e florais mais presentes, com muita tensão e verticalidade. Um dos ícones é o Silex, vinho criado por Didier Dagueneau, que, embora engarrafado com Vin de France, representa muito bem esta região. Já os brancos elaborados a partir de solos de Caillottes tendem a mostra notas cítricas e menos estrutura, recomendados para consumo rápido.

Produtores de destaque

Embora não tenha a diversidade de produtores de Sancerre, Pouilly-Fumé tem uma longa tradição de vinhateiros de alta qualidade. São desde produtores mais tradicionais e com longa presença, como Château de Tracy e Domaine de Ladoucette, até vários nomes novos, parte deles representando a nova geração famílias tradicionais na região.

Um nome que ganhou muito destaque foi o de Didier Dagueneau. Apesar do falecimento precoce do seu fundador, a vinícola segue em evidência, agora nas mãos de seu filho. Outros produrores que vale muito a pena conhecer são Serge Dagueneau et Fils, Jonathan Pabiot, Alain Cailbourdin, Alexandre Bain, Domaine Masson-Blondelet, Domaine Tinel-Blondelet, Francis Blanchet e Michel Redde.

Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Pouilly-Fumé; Loire Valley Wine Economic Report, Vins de Loire

Imagem: Vins Centre Loire

Mapas: Vins du Val de Loire, Vins Centre Loire

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