Qual o limite para o aumento do preço dos vinhos?

Folhear o catálogo de vendas da saudosa e extinta importadora Expand, do não tão longínquo ano de 2008, faz qualquer enófilo cair em depressão. Há cerca de 15 anos atrás era possível comprar, no Brasil, um Premier Grand Cru Classé de Bordeaux por menos de US$ 100, assim como um prestigiado Grand Cru da Borgonha. Independente da inflação em dólar, o salto dos preços observados no período foi astronômico.

Na edição de 29 de dezembro de 2022 do Wall Street Journal, a jornalista Jennifer Maloney assina um artigo com o título: Economy has drinkers choosing Prosecco over Champagne, se referindo ao fenômeno observado no mercado americano no final de 2022.

Para chegar a essa conclusão, a jornalista se apoiou em um dado publicado pela varejista on-line de bebidas alcoólicas Drisly, onde o Prosecco é comercializado por um preço médio de US$ 17 contra US$ 57 do Champagne. É muito prematuro formular uma conclusão com base apenas em um dado como esse, mas a discussão é boa e abre espaços para discussões instigantes.

A evolução do mercado internacional de vinho

Apesar do vinho ser uma bebida milenar, sua dinâmica de consumo mudou significativamente a partir do final da segunda metade do século passado.

Até então, o consumo do vinho era fortemente disseminado nos países produtores e em alguns grandes centros consumidores, como a Inglaterra e países do norte da Europa. É espantoso que em meados do século passado, o consumo per capita de países como França, Chile, Argentina e Portugal chegava a ser significativamente superior ao observado nos dias de hoje. Porém o vinho tinha um perfil de bem de consumo, menos sofisticados e integrados a rotina diária do consumidor.

Naturalmente, existiam os nichos de consumidores sofisticados. Mas eram exatamente isso, nichos que conviviam bem com o segmento de maior volume. A Borgonha era um bom exemplo. Apesar de já produzir vinhos sofisticados, e caros, boa parte dos produtores de uvas não engarrafam os vinhos que produziam até a Segunda Guerra Mundial. Os lotes fracionados eram consolidados por négociants que distribuíam no mercado.

Mas o importante para nossa discussão era que, fora dos países produtores e dos nichos de consumo sofisticados, o consumo de vinho era reduzido. E o Brasil é um caso exemplar desse fenômeno.

Segunda metade do século 20 – o cenário mudou

O mundo passou por mudanças significativas no período posterior ao final da Segunda Guerra mundial. E na esteira dos primeiros passos da globalização, o consumo do vinho saltou das fronteiras dos mercados produtores e ganhou o mundo.

O famoso, e talvez superestimado, “Julgamento de Paris” de 1976 não apenas inseriu o vinho americano no mercado internacional, como também destravou o maior mercado consumidor do mundo. Na década de 1980, a Nova Zelândia surpreendeu o mundo com uma nova versão de varietais da Sauvignon Blanc, num evento em Londres. Estes são apenas dois exemplos das mudanças ocorridas na indústria.

Além disso, a crítica do vinho foi capaz de traduzir a enorme complexidade e variedade da bebida numa classificação relativamente simples e baseada em pontos. Essa pontuação rapidamente se traduziu numa correlação com preços, “matando a sede” de uma classe emergente que buscava status e busca de reconhecimento social. Por fim o surgimento de novos mercados consumidores, especialmente no Japão, seguido da China, criou uma demanda exponencial por vinhos sofisticados.

Mas a produção mundial dos vinhos que eram objeto de desejo desse  novo consumidor global não cresceu. Sem o crescimento da oferta para garantir a enorme procura, os preços explodiram.

Qual a elasticidade de preço do vinho?

No artigo do WSJ, citado anteriormente, a autora atribuiu o crescimento das vendas do Prosecco e a queda do Champagne no mercado americano exclusivamente a causas econômicas. Ou seja, o “cinto apertou” por conta da situação econômica desafiadora e o consumidor migrou para um produto “similar” (com todas as aspas possíveis, pois é uma heresia comparar um com o outro).

Sem dúvida um cenário de economia difícil, limita o apetite por itens de preço mais elevado. Mas talvez aí esteja um dos sinais de que o limite para a escalada de preços esteja chegando. E abusando do jargão econômica, talvez estejamos chegando próximos do limite da elasticidade de preço do vinho.

Por que acreditar o que preço do vinho está batendo no teto?

É cedo, e muito arriscado, cravar conclusões definitivas. Mas a vantagem da liberdade de expressão é poder dizer o que se quer. Então vamos lá: daqui a 15 anos, quando consultarmos o catálogo de preços de uma importadora possivelmente não encontraremos a enorme variação de preços encontradas no catálogo de 2008 da antiga importadora Expand. Eles deverão crescer de forma mais comportada. As possíveis razões para isso são:

Aumento da qualidade fora das regiões tradicionais – É notável o aumento da fronteira de produção de vinhos de qualidade pelo mundo. Para ficarmos no exemplo do artigo do WSJ, citado anteriormente, não só Champagne produz espumantes de qualidade. A ilha da Tasmânia na Australia e o sul da Inglaterra são apenas dois exemplos de ótimos produtores de espumantes. Apesar da qualidade de Champagne ainda ser superior, a oferta de bons produtos similares tem potencial de ancorar o limite superior de preço.

Consumidor mais informado – É inegável a existência de muitos consumidores dispostos a pagar um prêmio por rótulos de prestígio e pontuação de críticos. Por outro lado, a recente disseminação de informação sobre vinho, seja através de experiencias pessoais, cursos ou leituras de fontes confiáveis, abriu espaço para decisões racionais de preço versus qualidade.

Ocasião de consumo – Apesar do artigo do WSJ ter sido infeliz ao tratar Champagne e Prosecco como produtos similares, pois o método de produção é diferente, assim como a característica do líquido na taça, ele acerta precisamente ao igualá-los no motivo da compra: celebração. Numa ocasião festiva o consumidor busca o “barulho de uma garrafa de espumante sendo aberta” acima de tudo. Por muito tempo essa ocasião de consumo se confundiu com Champagne. Mas o “gap de preço” e o investimento na marca de outros espumantes, como o Prosecco, estão mudando esse cenário.

“Curtir” o vinho versus “ostentar” o vinho – O ponto aqui é que o investimento em marcas, algo que tradicionalmente costumava ser menos agressivo no mercado do vinho, está crescendo e ampliando a oferta dos “produtos para ostentação”. O marketing agressivo amplia o número de rótulos que podem ser fotografados nas redes sociais, satisfazendo as necessidades básicas do “ostentador”, que está muito mais interessado no rótulo do que o líquido na taça.

A dramática aceleração do preço dos vinhos nas últimas décadas se deveu ao explosivo crescimento do consumo, sem o correspondente aumento da oferta. O passo seguinte deverá ser do surgimento de novos segmentos e faixas de preço similares ao observado em outras indústrias, trazendo mais racionalidade na dinâmica de formação de preço. Não podemos ignorar, no entanto, o vinho como investimento. Mas as vendas no mercado futuro de Bordeaux dos últimos três anos já mostraram uma desaceleração de preços, apesar de ainda ser muito prematuro para conclusões.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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