Ranking de vinhos, faz sentido?

No final de ano somos normalmente inundados com os rankings de vinho, com chamadas atraentes, para não dizer apelativas do tipo: “os melhores do ano”. Confesso minhas reservas com relação a esse tipo de coisa. Mas um ranking em especial, elaborado e divulgado pela Wine Spectator em sua edição de dezembro de 2023 me chamou demais a atenção. A ponto de virar o tema da coluna desse mês.

Os desafios metodológicos para elaborar um ranking

Alguém com alguma formação acadêmica, e que teve contato com metodologia científica, certamente levantaria inúmeras restrições a esse tipo de ranking. Por outro lado, vale lembrar que esse tipo de classificação não tem a pretensão de ser um estudo científico. Está mais para um entretenimento voltado ao público que enxerga o vinho como um hobby.

Podemos citar vários desafios metodológicos para elaboração de um ranking, tais como:

Um ranking deveria comparar “coisas comparáveis”.  Na lista da Wine Spectator, e que iremos nos aprofundar adiante, há vinhos das safras de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022. O critério foi selecionar entre os vinhos lançados no mercado em 2023. Por questões regulatórias alguns vinhos demoram mais tempo que outros para a comercialização, daí o fato de encontrarmos lançamentos no ano com safras diferentes. Mas faz sentido comparar vinhos de anos diferentes num único ranking?
Na lista há vinhos de diferentes estilos: brancos, tintos, espumantes e fortificados, secos e doces. Ao comparar todos indistintamente será que a comparação se dá de “banana com banana”?
Há mais de 2000 variedades de uvas. Se consideramos os blends, ou vinhos elaborados a partir da mistura de “pelo menos” duas uvas, a combinação possível é enorme, sem contar as diferentes formas de vinificação. Nesse contexto é razoável um único ranking considerando tanta diferença?

Mas o que mais chama a atenção é o fato de a publicação simplesmente ignorar as notas que ela própria concedeu os vinhos. Como explicar que o escolhido como melhor vinho do ano, o primeiro colocado no ranking, o Argiano Brunello di Montalcino 2018 ter recebido 95 pontos e o 49° colocado, o Saxum James Berry Vineyard Paso Robles Willow Creek District 2020 ter recebido 95 pontos? Lembrando que as notas foram concedidas pela mesma publicação, também responsável por divulgar o ranking!

Considerações feitas, o que diz a ranking?

O melhor vinho lançado no mercado em 2023, segundo a Wine Spectator foi o Argiano Brunello di Montalcino 2018, que recebeu 95 pontos e que custa US$ 90 no mercado norte-americano. Lembrando que na DOCG Brunello di Montalcino há uma versão, teoricamente, superior, o Riserva, que passa mais tempo em madeira e leva mais tempo antes de seu lançamento no mercado. E 2018 não foi uma safra memorável na região.

Apenas dois rótulos produzidos na Borgonha mereceram “a honra” de aparecerem no top 100 da publicação. O Chablis Village do Domaine Pison Frères 2020, na 60ª posição e o Louis Jadot Corton Pougets 2020 na 91ª. Por outro lado, há 26 vinhos produzidos nos Estados Unidos no ranking.

Com relação aos espumantes, o rótulo mais bem pontuado, em 43° lugar, foi o Cava Juvé y Camps Brut Nature Cava Reserva de Familia Gran Reserva 2018. Em seguida, em 51° o escolhido foi Mionetto Brut Valdobbiadene Prosecco Superiore NV. Na 55ª posição foi escolhido o Iron Horse, Brut Green Valley of Russian River Valley Classic Vintage 2019. Apenas na 99a posição apareceu um Champagne, o badalado Fleur de Miraval Brut Rosé Petite Fleur NV, de um produtor que é mais conhecido por ter, em seu controle acionário, um astro do cinema americano

A América do Sul foi representada por sete vinhos. Na 30ª posição ficou o Bodegas Terrazas de los Andes Malbec Reserva 2021. O Le Petit Clos Alpata 2019 veio na 40° lugar. Finca Sophenia Malbec Gualtallary Estate reserva 2021 em 46° lugar. O Albariño Reserva da Bodega Garzón 2022 foi escolhido como 52°. Na 73ª coloção, com uma pontuação de 94 pontos e superior aos demais, o El Enemigo Cabernet Franc Agrelo Gran Single Vineyard 2019. Por fim, na 82ª e 84ª posição entre os melhores vinhos do mundo no ano de 2023, O Dominio del Plata Branco Signature Brioso 2022 da Suzana Balbo e o Viña Santa Ema Carmenère Peumo Amplus One 2019.

Sobre o ranking da Wine Spectator

Francamente, não é possível levar a sério um ranking como esse. Tomando o caso dos espumantes, qual terá sido o critério para Cava, Prosecco e um rótulo de Russian River superarem os Champagnes?  E vale lembrar que o Champagne selecionado no ranking, em 99° lugar, é um projeto reconhecidamente comercial de uma celebridade de Hollywood que,  aproveitando o sucesso de seu vinho na Provence, decidiu lançar  um Champagne Rosé, claramente visando o mercado americano.

Painéis sérios deveriam comparar coisas comparáveis. O resto é marketing oportunista. Não é à toa que após a página que divulga o ranking, o leitor encontra anúncios publicitários de rótulos premiados. Teria sido uma coincidência ?

Mas como foi dito anteriormente, ranking de vinho, divulgado no final do ano, salvo honrosas exceções serve muito para como entretenimento e diversão. E nesse aspecto o da Wine Spectator cumpriu com louvor seu propósito. Foi muito diverti-lo analisá-lo.

Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML.  É formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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