Saumur: um Loire com vinhos brancos, tintos, rosés e espumantes

Saumur, situada às margens do rio Loire e com seu cenário dominado por um imponente castelo finalizado no século XII, tem conexões próximas com suas duas regiões vizinhas, Anjou e Touraine. Em termos administrativos, faz parte da região de Anjou, com a qual divide também parte de sua história da vinicultura.

Já sua ligação com a Touraine é geológica, pois compartilha com esta região os solos ricos em calcário, já parte da Bacia de Paris. Por conta disso, Saumur é parte do chamado Anjou Blanc. Esta configuração geológica contrasta com o Anjou Noir, onde predominam os solos negros de origem vulcânica, muito mais antigos e resistentes.

Longa história

Acredita-se que a região tenha vínculos com a viticultura desde a era romana, mas o grande impulso ocorreu na Idade Média. Para tal, contou com a participação de ordens religiosas e da nobreza, sobretudo a partir do momento quando a dinastia dos Plantagenets estabeleceu o castelo de Saumur com uma de suas residências oficiais.

Acredita-se que nesta época a região mostrasse predomínio de uvas brancas, com menor presença de variedades tintas. E esta superioridade viria a crescer a partir do século XVI. Foi quando mercadores holandeses impulsionaram a produção de vinhos brancos doces, da mesma forma que ocorrido em Anjou. Por alguns séculos, Anjou e Saumur andaram de mãos dadas no que diz respeito à principal variedade cultivada (Chenin Blanc) e ao estilo de vinho produzido.

Reviravolta em dois atos

Esta situação, porém, viria mudar a partir do início do século XIX. O belga Jean Ackerman, após passar uma temporada em Champagne, foi o primeiro a ver o potencial da região de Saumur para vinhos espumantes. Seus vinhos ganharam destaque e garantiram uma importante premiação em 1838. Estava aberto o caminho para que diversos produtores seguissem seu exemplo.

A segunda “revolução” na vinicultura em Saumur ocorreu no final do mesmo século, após boa parte dos vinhedos terem sido devastados pela filoxera. O milionário do ramo têxtil Antoine Cristal (também conhecido como Père Cristal) apostou em uvas tintas. Ele replantou uma parte importante dos vinhedos da região com Cabernet Franc, já usando porta-enxertos resistentes. Por conta disso, as primeiras décadas no século XX viram uma grande mudança na composição dos vinhedos de Saumur.

Em menos de 100 anos, a vinicultura na região mudou radicalmente. Se no passado eram os vinhos doces elaborados a partir da Chenin Blanc os dominantes, o cenário herdado a partir do início do século passado é completamente distinto. Saumur atualmente tem os tintos, sobretudo de Cabernet Franc, e os espumantes como líderes em termos de produção.

Várias denominações de origem

Esta diversificação em termos de uvas plantadas e estilos de vinhos impulsionou a gradual criação de diversas denominações de origem na região.  Boa parte delas, mais especificamente cinco, podem ser incluídas dentro da denominação “guarda-chuva” Saumur. Ela conta com cerca de 2.330 hectares de vinhedos, divididos entre espumantes e vinhos tranquilos, sejam eles tintos, brancos ou rosés.

Os vinhedos de Saumur

Além destas, há mais duas denominações com atuação restrita à área de Saumur.  Uma delas representa os “novos tempos” de Saumur e foca exclusivamente em vinhos tintos secos, enquanto a segunda resgata a tradição dos vinhos brancos doces.  Ou seja, independentemente do seu estilo de vinho preferido, não faltam opções em Saumur e, com tanta diversidade, vale a pena conhecer melhor esta região.

Saumur Blanc AOC

Vamos começar pelas cinco denominações de origem “interligadas”, mais especificamente por Saumur Blanc. Juntamente com Saumur Rouge, foi a denominação pioneira na região, aprovada em novembro de 1936. Atualmente compreende cerca de 380 hectares de vinhedos, espalhados por 35 vilarejos distintos. Sua área demarcada coincide exatamente com a da denominação de origem Saumur Rosé. Porém, a definição das áreas plantadas depende basicamente do solo.

Em geral, os viticultores optam por plantar uvas brancas nos solos de tuffeau do período Turoniano. Já os solos de argila ou com maior proporção de areia são menos nobres e usados para as uvas tintas (que dão origem aos rosés da região). Atualmente a única uva permitida em Saumur Blanc AOC é a Chenin Blanc, pois em 2016 se proibiu o uso de Chardonnay ou Sauvignon Blanc nesta denominação de origem. As regras desta denominação determinam um rendimento máximo de 60 hectolitros por hectare e que os vinhos sejam secos, com açúcar residual máximo de 3 gramas por litro.

Alguns dos melhores vinhos brancos do Loire são provenientes desta região. A sub-região de Côtes de Blanc, em especial o vilarejo de Brézé, apresenta as condições ideais para o desenvolvimento da Chenin Blanc. Para quem quiser conhecer o melhor que esta região tem a oferecer, vale a pena provar os vinhos de produtores como Clos Rougeard, Domaine Guiberteau, Domaine du Collier ou Thierry Germain.

Saumur Rosé AOC

Criada em 1964, a denominação Saumur Rosé tem exatamente a mesma área delimitada que a Saumur Blanc AOC. Porém, a área plantada é bem inferior, na casa de 110 hectares.  Esta denominação era chamada de Cabernet de Saumur até 2016, mas houve alteração para evitar confusão com a Cabernet d’Anjou AOC, que tem foco em vinhos semi-secos. As duas variedades permitidas são Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon, usando métodos como prensa direta ou saignée.

A produção anual média é de cerca de 500 mil garrafas, correspondendo a 4% dos vinhos de Saumur. Ela é bem inferior à produção de Saumur Blanc, que, com a mesma área delimitada, equivale a 15% dos vinhos de Saumur. Dentre as limitações mais importantes, está o rendimento máximo de 57 hectolitros por hectare e o teor máximo de açúcar residual de 3 gramas por litro, ou seja, são rosés secos.

Saumur Mousseux AOC

Uma parte significativa dos vinhos produzidos em Saumur são espumantes e a denominação Saumur Mousseux reflete isso. Sua área delimitada de vinhedos é maior que as duas anteriores, por conta de uma peculiaridade. Além dos vinhedos de Saumur, inclui também áreas em Anjou. Por exemplo, nas denominações de Anjou com foco em vinhos brancos doces (como Coteaux du Layon ou Quarts de Chaume), o produtor pode optar pela elaboração de espumantes caso as uvas não atinjam a maturidade necessária para vinhos doces. Quando isso ocorre, ele pode optar por classificá-los como Saumur Mousseux.

A denominação de origem Anjou Mousseux foi criada em 1957 e, por conta da curiosidade acima, tem uma área plantada de cerca de 1.270 hectares, espalhados por 55 vilarejos. A produção total equivale a cerca de 61% do total produzido em Saumur (excluindo Saumur-Champigny). Deste total, 94% são espumantes brancos e o restante rosés. A uva primária é a Chenin Blanc, mas há autorização para o uso de diversas variedades, tanto brancas como tintas. São elas: Chardonnay, Sauvignon Blanc, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Grolleau Noir, Pineau d’Aunis e Pinot Noir.

No caso dos espumantes brancos, a Chenin Blanc deve ter pelo menos 60% da composição, enquanto a parcela da Sauvignon Blanc não pode exceder 10%. No caso dos rosés, é a Cabernet Franc que deve ter pelo menos 60%, se aplicando a mesma restrição de 10% à Sauvignon Blanc. O rendimento máximo dos vinhedos não pode superar 67 hectolitros por hectare e os vinhos devem ser mantidos pelo menos nove meses com suas lias, sendo elaborados pelo método tradicional.    

Saumur Rouge AOC

Com cerca de 570 hectares de vinhedos plantados em 28 vilarejos, Saumur Rouge é segunda maior denominação de origem em termos de produção de vinhos tranquilos em Saumur, superando Saumur Blanc e Saumur Rosé. No entanto, apesar de sua criação, juntamente com Saumur Blanc, em 1936, sua área demarcada é menor. A diferença fica por conta da área posteriormente alocada e demarcada para a denominação Saumur-Champigny, criada em 1957 e líder na produção de vinhos tranquilos na área.

A história desta denominação é intimamente ligada aos esforços de Antoine Cristal. Ele foi o grande responsável pela popularização das uvas tintas, sobretudo a Cabernet Franc, na região de Saumur no início do século XX. Esta variedade segue dominante na região e os vinhos produzidos em Saumur Rouge AOC devem conter ao menos 70% dela. O restante é composto por Cabernet Sauvignon e Pineau d’Aunis.

Assim como no caso da Anjou Rosé AOC, as limitações mais importantes impostas pelo conselho da denominação são o rendimento máximo de 57 hectolitros por hectare e o teor máximo de açúcar residual de 3 gramas por litro.

Saumur Puy-Notre-Dame AOC

Apesar de ser muitas vezes referida somente como uma denominação de origem independente, Saumur Puy-Notre-Dame é também uma indicação geográfica complementar, dentro da Saumur Rouge AOC. De fato, o seu regulamento (Cahier de Charges) é o mesmo que Saumur Rouge, porém com algumas particularidades.

A denominação de Saumur-Puy-Notre-Dame

Sua aprovação ocorreu em 2008 e atualmente ela conta com cerca de 60 hectares de vinhedos, distribuídos em 10 vilarejos. Além de rendimentos máximos inferiores aos de Saumur Rouge AOC (50 hl/ha, contra 57 hl/ha), o peso da Cabernet Franc é maior. Os vinhos devem conter no mínimo 85% desta variedade, com o restante de Cabernet Sauvignon. Sua produção anual média é de cerca de 2.400 hectolitros, que equivale a 320 mil garrafas/ano.

Além de regulamentos mais rigorosos, a geologia também faz a diferença. Ela inclui os terrenos de maior elevação na região de Saumur, com solos predominantemente compostos por tuffeau do período Turoniano. Por conta de todos estes fatores, seus vinhos ficam entre os melhores tintos de todo o Loire.

O perfil geológico dos vinhedos de Saumur

Saumur-Champigny AOC

Esta denominação de origem foi criada em 1957 e, até por conta de seu porte, hoje é completamente independente das citadas até agora, com um Cahier de Charges próprio. Considerada com a área mais quente da região de Saumur, seu nome deriva da expressão em latim Campus Igni, que pode ser traduzida como campos de fogo. É a maior produtora de vinhos tranquilos na região de Saumur, com uma área plantada de cerca de 1.550 hectares. Sua produção anual média fica em torno de 77 mil hectolitros, o equivalente a 11 milhões de garrafas/ano.

Os vinhedos de Saumur-Champigny

Também aqui a Cabernet Franc é a estrela. Os vinhos devem conter no mínimo 85% desta variedade, com o restante de Cabernet Sauvignon ou Pineau d’Aunis. Seus limites de rendimento ficam em linha com aqueles da Saumur Rouge, com máximo de 57 hectolitros por hectare. Os vinhos produzidos inicialmente eram reconhecidos por serem mais leves, porém uma exceção acabou fazendo a diferença. Saumur-Champigny é a origem dos incríveis tintos da Clos Rougeard. Por conta de seu sucesso, diversos produtores adotaram o mesmo estilo, com vinhos de maior estrutura e capacidade de guarda.

Coteaux de Saumur AOC

Esta é outra denominação de origem independente. Sua aprovação ocorreu em 1962 e ela inclui áreas em 28 vilarejos, boa parte dos quais na margem esquerda no Loire. É uma região de muita tradição, por conta dos registros de elaboração de vinhos doces a partir da Chenin Blanc desde a Idade Média. Apesar de uma ampla geográfica regulamentada, porém, são somente 20 produtores, com uma área plantada de 10 hectares. A produção média entre 2015 e 2019 foi de apenas 310 hectolitros, o equivalente a 41 mil garrafas.

A denominação Coteaux de Saumur

Isso ocorre por conta do estilo de vinhos e regras estritas. A única uva permitida é a Chenin Blanc e somente para vinhos doces, com obrigatoriedade de colheita manual, não sendo permitido o uso de chaptalização. O rendimento dos vinhedos não pode superar 35 hectolitros por hectare, com álcool potencial mínimo de 15% na colheita e grau de açúcar residual mínimo de 34 gramas por litro. São vinhos de coloração dourada e que evoluem muito bem, combinando alta acidez, teor de açúcar elevada e untuosidade.

Outras denominações

Além das denominações de origem específicas da região de Saumur, os produtores podem optar também por classificar seus vinhos dentro de outras denominações mais amplas do Loire. Por exemplo, quem produz vinhos brancos secos pode optar pela denominação Anjou Blanc (que inclui tanto a região de Anjou como Saumur). Vale lembrar que esta denominação permite também o uso das uvas Chardonnay e Sauvignon Blanc como parte do corte, ao contrário da Saumur Blanc AOC, onde apenas a Chenin Blanc é permitida.

Já os produtores de vinhos rosés contam com várias alternativas. Caso os vinhos sejam secos, podem optar, além de Saumur Rosé, também pela denominação Rosé de Loire. No caso de vinhos rosés doces ou semi-secos e que respeitem as regras das respectivas denominações, as alternativas são Cabernet d’Anjou e Rosé d’Anjou.

Para os vinhos espumantes, as opções, além de Saumur Mousseux, são Crémant de Loire e Anjou Mousseux. Por fim, no caso dos vinhos tintos, além das três denominações exclusivas de Saumur, o produtor pode classificar seus vinhos como Anjou Rouge ou Anjou-Villages.

Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Coteaux de Saumur; Cahier des Charges des appellation d’origine Saumur; Loire Valley Wine Economic Report, Vins de Loire – appelation Saumur Puy-Notre-Dame; Vins de Loire – appelation Saumur; Vins de Loire – appelation Saumur-Champigny

Imagem: Destination SaumurLe château de Saumur surplombant la Loire © C. Gagneux – Pixim Communication

Mapas: Vins du Val de Loire

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