Sonha em possuir um vinhedo no exterior… sabe quanto custa?

A paixão pelo vinho se manifesta de várias formas. A maioria se contenta em acumular garrafas e desfrutá-las em diferentes ocasiões, desde uma simples refeição em casa até eventos especiais com confrades e conhecedores do assunto. E há um pequeno grupo que vai além e sonha em se tornar um produtor.

A chamada viticultura tropical, baseada na técnica de dupla poda, ou poda de inverno, viabilizou a produção da Vitis vinifera em todo território brasileiro, onde as condições são longe de apresentar as características de um clima temperado, considerado ideal.  Os vinhos tropicais surgiram inicialmente no Vale do São Francisco, se espalharam pelo país e hoje ocupam lugar de destaque no sul de Minas Gerais, na fronteira com São Paulo, região próxima de onde se concentra a renda do país e, portanto, de interessados nesse tipo de investimento.

Mas não são vinhedos no Brasil o tema dessa coluna. Muito menos de empreendimentos empresariais complexos como a aquisição de vinícolas e empresas afins.  A foco será o enófilo que sonha possuir um vinhedo fora do Brasil como hobby. E acreditem, há muita gente que cultiva essa “fantasia”. Se há demanda, a consequência natural é a existência vários empreendimentos para preencherem essa necessidade. E há até um termo em inglês para isso: hobby vineyards.

Começando por Bordeaux, onde it’s all about business

Independente dos gostos pessoais não há como negar; Bordeaux é o maior centro comercial de vinhos do mundo, além de ser o maior produtor de vinhos de qualidade. E, num lugar onde o vinho é regido por uma lógica empresarial desde a Idade Média, os produtores locais, os Châteaux, foram astutos. Segundo Michael Baynes, sócio e fundados da Vineyard-Bordeaux, empresa afiliada a Christie’s International Real Estate em entrevista publicada na Decanter Magazine de junho de 2021, criaram o tal hobby vineyard. E são capazes de explorar esse filão como nenhuma outra região do mundo.

Funciona assim: de um lado há um enófilo que sonha em possuir um vinhedo. Mas que não tem apetite para preencher toda a burocracia de ser um proprietário de vinícola em Bordeaux (e acreditem, a burocracia e papelada envolvida é enorme na França). De outro uma vinícola que precisa de recursos para bancar seus investimentos. O produto criado pela empresa “amarra as duas pontas”. Baynes cita o exemplo de um diretor da Goldman Sachs apaixonado por vinho a ponto de não se importar com o retorno do investimento.

O objeto da transação são vinhedos. Boa parte da produção das uvas é vendida para a vinícola, através de um contrato de longo prazo. O proprietário do vinhedo é, na realidade, proprietário de cotas, que podem ser todas as cotas, de um veículo financeiro que detém o controle do vinhedo. Mas a vinícola tem o cuidado de separar um pedaço do vinhedo e demarcá-lo com o nome do proprietário. E também oferece o “serviço” de engarrafar algumas garrafas usando as uvas dessa parcela demarcada que podem ser rotuladas de acordo com a preferência do cliente. O investimento inicial é de € 100 mil. Boa parte das ofertas envolvem áreas na região de Entre-deux-Mers e nas áreas da margem direita, excluindo Saint-Emilion e Pomerol.

Provence

A Provence foi objeto de uma série de transações envolvendo outsiders adquirindo vinícolas. Talvez o mais emblemático seja o casal, aliás ex-casal, Angelina Jolie e Brad Pitt, no Château Miraval. Diferente de Bordeaux, o preço do hectare é mais acessível e há maior disponibilidade. O valor varia bastante, começando na faixa de € 80 mil. Curioso que o preço sobe nas proximidades das áreas mais nobres da Côte d’Azur não necessariamente pelo potencial de qualidade das uvas a serem produzidas, mas seguido a lógica do mercado imobiliário.

Languedoc, a opção mais em conta na França

Maior vinhedo do mundo, o Languedoc isoladamente conta com área plantada maior do que a Austrália. Por muito tempo foi sinônimo de vinhos de qualidade baixa. Essa situação mudou bastante nos últimos 30 anos. Algumas áreas da região, especialmente nos vales, as condições naturais favorecem o cultivo de uvas com potencial de produzir vinhos de qualidade que despontam no cenário vinícola mundial.

E como nas áreas mais nobres da Borgonha, Rhône e Bordeaux o preço das terras atinge patamares altíssimos, além da oferta ser restrita, observa-se nas últimas duas décadas a chegada de grandes produtores no Languedoc. M. Chapoutier, tradicional produtor do Rhône é um bom exemplo.

No artigo da Decanter Magazine de junho de 2021, foi mencionado um anúncio de uma imobiliária francesa, a Safer, oferecendo 10 hectares de vinhedo em Terrasses-du-Lazarc, uma das AOC mais interessantes do Languedoc por € 300 mil.

Toscana

Cerca de 2/3 do território da Toscana é composto por montanhas e colinas, onde as áreas cultiváveis são dominadas pelas oliveiras e vinhedos. O formato do investimento por lá não é sofisticado como em Bordeaux. Basicamente são residências de campo circundadas por pequenas parcelas de vinhedos. As uvas produzidas são tradicionalmente vendidas a terceiros que se encarregam da vinificação. O ex-jogador de futebol Hernandez, que defendeu o São Paulo FC e a seleção brasileira, quando morou em Turim, no Piemonte, adquiriu uma propriedade assim. E hoje importa seus vinhos no Brasil, com o rótulo Ca’del Profeta.

Há uma empresa especializada em propriedades assim na Toscana, a Casa&Country, com preços que iniciam na faixa de € 1,5 milhão. Mas como muitas dessas propriedades pertenceram ao mesmo grupo familiar há várias gerações, geralmente demandam significativos investimentos nas instalações e replantio dos vinhedos.

Portugal

Não seria possível terminar sem mencionar a região queridinha dos brasileiros na Europa. O modelo do hobby vineyard por lá é semelhante ao italiano. Ainda não são conhecidos, pelo menos para o autor da coluna, produtos estruturados para a aquisição de vinhedos. O que impera é o modelo tradicional, de aquisição de propriedades rurais, com todo ônus e bônus decorrentes. A burocracia lusitana consegue ser ainda mais espinhosa que a francesa. Mas os preços baixos e a proximidade cultural são atrativos inegáveis para o enófilo brasileiro que deseja realizar esse sonho

Sonho não tem preço

Apesar do termo priceless ter sido apropriado por uma bandeira de cartão de crédito, ele é perfeito para embasar as decisões a serem tomadas num hobby vineyard. Definitivamente não são critérios objetivos que norteiam uma decisão como essa. Mas eu confesso que prefiro realizar o sonho de “sacar a rolha” de rótulos emblemáticos, ao invés de conquistar um “vinhedo para chamar de meu”. Mas sonho não se discute. E realizar sonhos é uma daquelas coisas que fazem a vida fazer sentido.

Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML.  É formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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