Antes restrito a um grupo de visionários e/ou produtores apegados às tradições, o uso de práticas mais sustentáveis nos vinhedos (agricultura orgânica e biodinâmica) e a menor intervenção na vinificação (menos aditivos e restrição do uso de técnicas altamente intervencionistas) ganharam enorme terreno nos últimos anos. Isso, porém, levanta duas questões relevantes.
Será que esta mudança teve como motor principal a busca genuína dos produtores por maior sustentabilidade ou se baseia fundamentalmente em uma lógica comercial? A segunda pergunta é mais ampla, considerando não somente a atuação dos produtores, mas também dos importadores e consumidores. Será que existe consistência entre o discurso e a prática?
Vantagem financeira
Os números não mentem. De um lado, uvas orgânicas ou biodinâmicas são mais caras ao redor do mundo, compensando os viticultores por potenciais perdas de rendimento ou maiores gastos no cultivo. Por outro, vinhos feito a partir destas uvas, sobretudo no caso daqueles de baixa intervenção, acabam tendo avaliações melhores por parte dos críticos.
Em resumo, existem vantagens financeiras claras para que os produtores, ao menos aqueles com foco em qualidade e não quantidade, adotem o caminho da sustentabilidade e da baixa intervenção. Isso mesmo antes de entrar em questões qualitativas, pois parece inegável que vinhedos de cultivo orgânico ou biodinâmico estejam se adaptando melhor ao aquecimento global.
Isso a ajuda a explicar o forte crescimento deste segmento de mercado, onde os consumidores não se importam em pagar um pouco mais caro para ter acesso a este perfil de vinhos. Obviamente, não podemos excluir os produtores que estão genuinamente buscando soluções mais sustentáveis, conheço alguns que adotaram este caminho após provarem vinhos de outros produtores “já convertidos” de sua região. De qualquer forma, por qual motivo seja, o caminho passa por vinhedos mais saudáveis e vinhos mais puros.
O discurso e a prática
A segunda pergunta, ao menos no que diz respeito aos vinicultores, acaba tendo uma relação próxima com a primeira. Obter uma certificação orgânica, por exemplo, evidencia o uso de certas práticas, mas não descreve a totalidade da forma de trabalho de um vinicultor. Há produtores (geralmente os visionários) para os quais ela é o ponto de partida. Para outros (sobretudo os que estão mais de olho na vantagem financeira), é o ponto de chegada.
A diferença não é trivial e ajuda a explicar por que o termo greenwashing se tornou tão popular. No fundo, pensar em sustentabilidade de forma efetiva não é somente obter uma certificação que faz seu vinho vender mais. É um conjunto de atitudes e conceitos que são colocados em prática, muitos dos quais acabam não transparecendo aos consumidores.
Uma conversa recente com um produtor de baixa intervenção levantou várias questões. Poucos são os vinicultores que efetivamente pensam e agem de forma sustentável. Usar materiais não recicláveis nos vinhedos, seguir engarrafando em garrafas pesadas ou utilizar embalagens de transporte que exigem uso de plástico são alguns exemplos da diferença entre discurso e prática.
Importadores e consumidores
Porém, não são somente os produtores que, em alguns casos, adotam procedimentos pouco condizentes com a busca por verdadeira sustentabilidade. Importadores e consumidores também acabam caindo na armadilha de não alinhar suas práticas com o discurso que adoram recitar, sobre vinhos “puros”, “naturais” ou “vivos”.
Há importadores que pouco se preocupam com a pegada de carbono que deixam ao planeta através da escolha de opções transporte pouco sustentáveis. Não são poucos também os que bradam a pulmões cheios sobre vinhos naturais, mas que os enviam aos seus clientes em caixas forradas de isopor ou embrulhadas por camadas e mais camadas de fita plástica.
E o mesmo pode ser dito em relação aos consumidores. “O vinho deve ser artesanal” é um mote comum. Mesmo que, para garantir a produção em novas regiões brasileiras, isso implique que as videiras sejam injetadas com substâncias tóxicas proibidas na União Europeia, por suspeita de serem cancerígenas. Ou mesmo o cinismo direto e reto, do tipo: só bebo vinho natural, mas não abro mão de tomar Coca-Cola todos os dias. Mais do que discurso, o que realmente faz a diferença são práticas consistentes.
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
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Foto: Alessandro Tommasi, arquivo pessoal
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