Vinho fácil de beber: percepção de qualidade ou de falta de complexidade?

Beber e avaliar vinhos tem sempre um elemento não objetivo, até porque existem questões subjetivas envolvidas, como o gosto pessoal. E o mesmo acontece na hora de escrever sobre vinhos, pois a percepção de alguns dos termos usados pode mudar de pessoa para pessoa. E um dos descritivos que pode ser interpretado de maneira diferente é “fácil de beber”.

Para muita gente, falar que um vinho é fácil de beber soa como uma qualidade absoluta, algo muito positivo. É só pensar o que seria descrever um vinho de forma inversa. Você compraria um vinho avaliado por um crítico ou amigo como difícil de beber? Considerando que o vinho é uma bebida que desperta nosso lado hedonista, associar prazer com dificuldade em beber pode parecer no mínimo complicado.

Falta de consenso

Porém, para outras pessoas, a expressão “vinho fácil de beber” não é encarada necessariamente como um sinônimo de alta qualidade. Há quem veja o uso deste termo associado a vinhos mais simples, sem grande estrutura ou complexidade. Por exemplo, expressões equivalentes em outros idiomas, como facile à boire (francês) ou beverino (italiano), podem causar percepções distintas, de acordo com o vinho.

Em entrevista recente com um produtor da Borgonha, pedi que ele descrevesse seus diferentes vinhos. A expressão “fácil de beber” ou equivalente foi usada livremente em seus vinhos considerados mais simples, como regionais ou Village. Já para aqueles das categorias mais altas da pirâmide de vinhos da Borgonha, a expressão deixou de ser usada.

Foi neste diálogo que tive a ideia de escrever sobre este tema. Quando perguntado se seu Premier Cru seria fácil de beber, ele hesitou em dar uma resposta direta. Admitiu que sim, é um vinho agradável e muito prazeroso. Porém, de outro lado, também indicou que algumas pessoas poderiam julgar um vinho fácil de beber como simples e sem a profundidade necessária. Optou por excluir este termo da descrição.

Questão de semântica?

Assim, descrever ou não um vinho como “fácil de beber” parece ser uma questão de semântica, já que a percepção do que isso significa varia. Coloquei esta questão em um grupo de amigos com os quais degusto frequentemente e não houve consenso. Houve quem ressaltasse o aspecto de prazer envolvido, enquanto outros destacaram a questão de menor estrutura ou complexidade.

No entanto, minha opinião é que esta diferença de percepção tenha relação com uma questão ainda mais ampla. Como definir a qualidade de um vinho? São diversos critérios usados para avaliar vinhos e, obviamente, elementos subjetivos entram em campo. Um exemplo é na hora de descrever os papéis que complexidade, profundidade ou estrutura têm no vinho.

Provando às cegas

Provas às cegas são, ao menos na minha avaliação, a melhor forma de degustar vinhos. Sem o impacto do rótulo, do nome do produtor, da uva, da safra ou de tantos outros fatores, as opiniões são mais objetivas. E minha experiência de muitos anos nestas degustações mostra um fenômeno quase recorrente: a valorização de vinhos mais intensos e estruturados, em detrimento daqueles mais leves e elegantes.

De forma geral, a maioria dos degustadores acaba dando pontuação ou colocação melhor para vinhos mais intensos e estruturados. E isso tem a ver com o próprio conceito de “degustar”. Isso envolve “isolar” atributos, como acidez, taninos, textura, profundidade etc. Os vinhos que mais chamam a atenção nestes critérios acabam, em geral, recebendo avaliações melhores. De forma geral, é como se “mais” fosse um sinônimo de “melhor”.

Vinhos de degustação?

Mas por que desviar o foco da discussão de vinhos fáceis de beber para falar sobre degustação às cegas? Isso tem a ver com uma conclusão que cheguei na mesma entrevista com o produtor da Borgonha. Quando perguntado qual seria o maior prazer que tem na sua profissão, o vinhateiro foi categórico. Sua grande satisfação é ir a um restaurante e ver a mesa ao lado terminar alegremente uma ou mais garrafas de seu vinho. Ele divide uma opinião que sempre tive: uma garrafa de vinho bom sempre esvazia.

Para ele, vinho é intrinsecamente associado ao prazer de beber. Deixou claro que não produz vinhos pensando em degustações ou pontuações, mas sim em garrafas hedonisticamente abatidas. E deixou sua opinião sobre o assunto: ele abomina aqueles vinhos que impressionam nas degustações, mas que não trazem mais prazer na segunda ou terceira taça. São o que ele chamou de “vinhos de degustação”

Fácil e difícil de beber

Como descrever um vinho que você não consegue terminar (ao menos com prazer) a segunda, ou às vezes mesmo a primeira taça? Eu não teria qualquer pudor em chamá-lo de difícil de beber. O inverso dele, desta forma, seria o tal “fácil de beber”, aquele que a garrafa esvazia sem esforço. Será que ele tem estrutura, concentração, ou profundidade necessárias? Parece que isso, nestas horas, pouco importa.

Portanto, não creio que haja qualquer conotação negativa com o termo “fácil de beber”. Aceitar que um vinho mais simples pode ser melhor talvez seja um ponto de partida para olhar a vida de outra forma. Assim como o vinho, nossa existência não precisa ser complexa, sofisticada, competitiva ou repleta de atributos superficiais. O que vale mesmo é vive-la, dentro dos limites do respeito, responsabilidade e civilidade, com leveza. Em resumo, mesmo apesar de todos os obstáculos, tentar torná-la fácil, dando importância ao que realmente interessa!  

Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!

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Foto: Alessandro Tommasi, arquivo pessoal

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