Nos últimos anos, um segmento de mercado parece ter ganhado força quando se fala de vinhos sul-americanos: os chamados superpremium. São vinhos que esbanjam pontuação e preço, porém, em geral, sem mostrar os diferenciais de qualidade que possam justificar a atenção que merecem e os preços pelos quais são vendidos. Em poucas palavras, a grande maioria deles tem um sério problema quando se leva em conta a relação custo-benefício.
Mas estariam os críticos errados? E, também, os abonados consumidores que gastam centenas e muitas vezes milhares de reais por uma só garrafa? Você deve estar se perguntando o que levaria a opinião pessoal deste colunista divergir de forma tão gritante com tanta gente que analisa e consome vinhos. Em minha defesa, vou usar dois argumentos, um para entender os motivos por trás de notas tão altas, e outro para analisar consumidores aparentemente tão perdulários.
A fábrica de notas
Com a explosão das mídias sociais e pulverização do acesso à informação, a mídia mudou. E mudaram também os críticos de vinhos. Se no passado era difícil acessar as opiniões de quem não escrevia para as principais publicações, hoje em dia quem busca opiniões sobre vinhos tem uma verdadeira overdose de alternativas. São centenas, talvez milhares, de influenciadores (usando o termo mais vigente atualmente).
E, para estes influenciadores, a briga por espaço é feroz. E, geralmente, ganha quem fala mais alto, ou seja, emite opiniões mais bombásticas. Dar nota 92 para um vinho não dá muito retorno, mas 98 é diferente, gera comoção e publicidade. Não é toa que, infelizmente, o que mais se vê hoje em dia são notas artificialmente altas, como se a escala não chegasse a 100, parece que 120 é o limite. Qualquer vinho mediano recebe 90 pontos ou mais, é como acertar somente metade das questões da prova e receber nota 9.
Isso sem contar a velha prática do “toma lá, dá cá”. São inúmeros os eventos luxuosos para críticos, com refeições e vinhos pagos por vinícolas superpremium ou importadoras. E a resposta, infelizmente, é quase sempre a mesma. Conto nos dedos das mãos quantos dos críticos convidados são capazes de dar uma opinião realmente isenta sobre os vinhos. Quanto mais caro o vinho e o evento, maior parece ser a nota ou publicidade gerada. Ou seja, estes vinhos ganham um imenso espaço, em uma “transação” ganha-ganha entre produtores, importadores e críticos.
E os consumidores?
Mas o que faz alguém consumir estes vinhos e pagar preços em geral desproporcionais à qualidade? Podemos dividir os consumidores em dois grupos. De um lado, aqueles que, de boa fé, ainda acreditam na opinião dos tais críticos. Afinal de contas, se o crítico X deu 98 pontos para o vinho, certamente uma garrafa dele vale R$ 2.800.
De outro lado, há o que chamo de bebedores de rótulos. São consumidores que compram o vinho não pelo que está dentro da garrafa, mas pelo que está fora dela. Primeiramente, pode ser pelo rótulo. Ora bolas! Estamos falando do vinho de um produtor de renome, com vários selinhos colados na garrafa, todos com notas altíssimas!
Porém, também pode ser pelo preço. Sim, há quem compre certos vinhos simplemente porque são caros, assumindo que existe uma relação direta entre preço e qualidade. Ou ainda pior, o fazem pois pagar caro pode ser visto como um sinal de status, para impressionar os amigos ou quem o segue nas mídias sociais.
Contexto especulativo
Não podemos deixar de mencionar que este movimento acontece dentro de um contexto generalizado de vinhos mais caros. O vinho se tornou um símbolo de status no mundo todo, não somente para quem consome superpremiums sul-americanos. No final das contas, o preço do vinho, como de qualquer produto, reflete as condições de oferta e demanda.
Pense em uma garrafa de Romanée-Conti. Deste vinho, que já era considerado no século XVII como um dos melhores do mundo, em média são produzidas 5.000 garrafas por ano. Isso é possivelmente o número de novos bilionários que surge a cada dois anos. É inevitável: por representar a expressão máxima do vinho (cabe aqui discussão), estas garrafas se tornaram impagáveis para simples mortais. Mas, independentemente de tudo, 5.000 garrafas é muito pouco.
Este movimento especulativo se estendeu, em diferentes escalas, a praticamente todos os vinhos raros do mundo. E boa parte desta escassez se deve às limitações de produção, como, por exemplo, nas melhores regiões produtoras de vinhos do Velho Mundo. Neste locais, as áreas de vinhedos de melhor qualidade já estão demarcadas há décadas, senão séculos. Isso, porém, está longe de ser a realidade na América do Sul, que ainda está no processo de descoberta de seus melhores terroirs.
Toda regra tem exceção
Não estou aqui afirmando que todos os chamados superpremiums sul-americanos são vinhos de péssimo custo-benefício ou pior, que sejam vinhos ruins. A qualidade da vinificação melhorou de forma exponencial na América do Sul nas últimas décadas e recentemente provei vinhos deste segmento para os quais a qualidade justificava seu preço. Mas meu ponto é que, tirando algumas exceções, realmente não existem fatores racionais que expliquem os altos preços da maioria destes vinhos.
Antes restrito à Argentina e Chile, este movimento chegou também a países de menor peso no contexto da viticultura da América do Sul, como Brasil e Uruguai. Por incrível que pareça, há quem ache, também falando de vinhos brasileiros ou uruguaios, que pelo fato de o vinho ser mais caro – muitas vezes próximo ou mesmo acima da casa de R$ 1.000 – ele é de melhor qualidade.
Infelizmente, esta falácia ganha cada dia mais corpo, inclusive para consumidores brasileiros. Portanto, cabe ao consumidor inteligente usar o bom senso para avaliar se realmente estes vinhos valem o que custam. Boa qualidade é uma coisa, preço abusivo é outra. Também no mundo do vinho, vale o velho ditado: evite comprar gato por lebre.
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
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Foto: Arquivo pessoal
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